sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Enduvidado


Frequentes são os momentos em que nos sentimos perdidos. À nossa frente um amplo espaço de onde se evade uma pluralidade de caminhos. São pontos na nossa linearidade temporal em que nos sentamos a pensar: “por onde seguir?” Tudo à nossa volta é pista, ou parece-nos como tal. O que nos dizem, ou o que omitem, o que pensamos de nós, dos outros, o que queremos, tudo parece puxar-nos para um determinado caminho, sempre sem decisão final consumada, sempre com mais dúvidas geradas. Por vezes pensamos: “Que raio, vou mas é escolher ao calhas e logo se verá!”. Mas quando nos aproximamos da prossecução da “decisão” tomada, assaltam-nos os nossos piores pesadelos, o nosso medo do desconhecido, do que está atrás daquela primeira curva. E se bem que são, como sempre achei, as curvas que nos fascinam, são também elas que nos escondem do futuro e o futuro de nós.


Estou sentado num confortável sofá bem no centro do tal amplo espaço de onde caminhos mil se espraiam, visíveis até à primeira sinuosidade. Sinto-me ansioso, preocupado, mas também entediado com a situação. Aproximo-me do passo, que será o primeiro, e o mais importante, de uma viagem de mil milhas, talvez. O tédio conduz-me à decisão, a decadente, bolorenta, série de viagens que ficou para trás, contribui alegremente para a partida em busca da novidade. A pressão de não querer estar ali, naquela sala, naquele sofá, naquela posição. A pressão de não querer olhar para trás, para o que fui, e contemplar os quadros do que vivi transfigurados em memórias ululantes e tirar daí conclusões sólidas e bem pensadas.
Sei que quis entrar neste espaço, quis sentar-me aqui, descansar um pouco, e seguir em frente. Se o fiz, se o quis fazer, devo-o à sequência de imponderáveis desacertos que o meu mapa de caminhos mostrou ser. Calcorreei-os sempre em busca do sonho, mas aprendi que não era o meu sonho. Cavalguei pelos trilhos que se me espraiavam pela frente, qual pícaro cavaleiro andante, com o fito inusitado de ser feliz, mas descobri que não era essa a minha felicidade. Procurei nos recantos mais escuros o amor, mas descobri que o amor é mais raro do que qualquer gás nobre ou metal de terra rara. E desiludido como o mundo e com os mundos de cada um, especialmente o meu, cheguei a este espaço, de costas voltadas para o passado, com o desejo exasperado de ser outro noutro caminho novo.
Eis-me então entre o querer o amanhã hoje e o ter hoje medo do amanhã. Entre o que quero e o que fui durante tantas longas marés. Entre quem não quis ser e em quem sonho um dia poder vir-me a tornar.


Estou então aqui, sentado, à espera. “E o que esperas?” – poderá alguém perguntar. Espero apenas o tomar de consciência de uma decisão que já é real e que balança apenas em condicionantes que nada têm a ver comigo… E isso preocupa-me; afinal aquela decisão mais importante não depende apenas de mim! Estranho sabor lhe dá, essa proverbial palhinha que quebrará, ou não, as costas do camelo. Essa dúvida no momento da certeza absoluta de que quero ir por ali, mas afinal não sei por onde vou… Sinto-me… não sei bem como, mas vem-me à ideia o gato de Schrödinger… Morto ou vivo? Impossível de determinar.
E enquanto, aqui sentado, espero, talvez vá fumando um cachimbo perfumado, qual Gandalf perdido nas minas de Moria. E, quem sabe, tal como aquele delicioso personagem de Tolkien, venha a despertar das minhas dúvidas e cogitações e perceber que a decisão só pode ser uma: por ali por Deus, por onde o cheiro não é tão fedorento.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Pensamento Subliminal


Detesto a noite!

É tão aborrecido ter que dormir, acho que não passa de uma perda de tempo... Aqui, deitado, contemplando o negro tecto do meu mundo, meu quarto, fitando as estreitas ondas de luz que escapam aos estores, à cortina, aqui só se sofre! Invadem os exércitos dos meus maus pensamentos, dos meus medos, dos terrores... e o sono... não vem! Os pesadelos que, ao dormir, cobardemente me ameaçam, penetram agora na minha memória contínua de errante. O que de errado fiz no passado, assim se repete a meus olhos, espelhos de uma alma em reacção, que jaz, inerte, em cima de um colchão, a dormir? Não! Seria pedir demais...



A mentira social que sou: jovem? Sim, mas não muito! E quanto mais minutos, horas, dias, passam por mim, ali deitado, acordado, lívido, mais penso naquele glorioso último segundo, fronteira última de realidade infeliz, parte lustrosa de um mundo-fantoche, da paz, do meu céu, do sono... Mas ai de mim, que esse último obstáculo se afasta, não vem, provoca-me, a mim, que não matei, não roubei, não fiz nada de mal, apenas cruzei, isolado, este mundo animal, tímido... Tão, tão tímido até, que sem pensar, sem fé, afastei de mim os amigos, as amadas, as admiradoras… e agora, como quem ri, à socapa, com a infelicidade de outrem, goza-me aquele último segundo com desdém, e mais se afasta de mim...
Detesto ter que dormir, mas adoro sonhar... Detesto a ansiedade da espera pelo sono que tarda, a inactividade de uma noite perdida.... a dormir; mas no sonho, aí, vingo-me da sociedade que me maltrata, sem saber, e talvez por eu querer, vingo-me de mim, do meu eu real, que não passa de um Velho do Restelo espelhado na minha existência, que no sonho se acaba, e renasce, Feniana na sua glória imortal, poderoso, herdeiro do savoir faire da história... Histórias, de que afinal não passam os sonhos...
Para quê dormir, para perder valioso tempo na nossa ínfima existência, ou para, através dos sonhos, nos lembrar-mos do que podíamos ser e não somos...

É quase manhã, e eu sem dormir... As magras ondas de luz que lutavam por uma nesga nas estreitas frinchas dos estores, invadem agora, mais à vontade, o penetrável reduto que é o meu quarto, o meu mundo...
É tão aborrecido perder tempo a dormir, sobretudo quando o sono não vem, até porque, entenda-se, eu adoro dormir...



quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Midgard

.

"Alguns nascem póstumos (...) Eu estaria em completa contradição comigo mesmo se já esperasse hoje encontrar ouvidos e «mãos» prontos para as «minhas» verdades; que hoje não se ouça nada de mim, que hoje não se saiba tirar nada de mim, isto não é apenas compreensível, mas parece-me até mesmo norma."

- Friedrich Nietzsche, in "Ecce Homo"