Frequentes são os momentos em que nos sentimos perdidos. À nossa frente um amplo espaço de onde se evade uma pluralidade de caminhos. São pontos na nossa linearidade temporal em que nos sentamos a pensar: “por onde seguir?” Tudo à nossa volta é pista, ou parece-nos como tal. O que nos dizem, ou o que omitem, o que pensamos de nós, dos outros, o que queremos, tudo parece puxar-nos para um determinado caminho, sempre sem decisão final consumada, sempre com mais dúvidas geradas. Por vezes pensamos: “Que raio, vou mas é escolher ao calhas e logo se verá!”. Mas quando nos aproximamos da prossecução da “decisão” tomada, assaltam-nos os nossos piores pesadelos, o nosso medo do desconhecido, do que está atrás daquela primeira curva. E se bem que são, como sempre achei, as curvas que nos fascinam, são também elas que nos escondem do futuro e o futuro de nós.
Estou sentado num confortável sofá bem no centro do tal amplo espaço de onde caminhos mil se espraiam, visíveis até à primeira sinuosidade. Sinto-me ansioso, preocupado, mas também entediado com a situação. Aproximo-me do passo, que será o primeiro, e o mais importante, de uma viagem de mil milhas, talvez. O tédio conduz-me à decisão, a decadente, bolorenta, série de viagens que ficou para trás, contribui alegremente para a partida em busca da novidade. A pressão de não querer estar ali, naquela sala, naquele sofá, naquela posição. A pressão de não querer olhar para trás, para o que fui, e contemplar os quadros do que vivi transfigurados em memórias ululantes e tirar daí conclusões sólidas e bem pensadas.
Sei que quis entrar neste espaço, quis sentar-me aqui, descansar um pouco, e seguir em frente. Se o fiz, se o quis fazer, devo-o à sequência de imponderáveis desacertos que o meu mapa de caminhos mostrou ser. Calcorreei-os sempre em busca do sonho, mas aprendi que não era o meu sonho. Cavalguei pelos trilhos que se me espraiavam pela frente, qual pícaro cavaleiro andante, com o fito inusitado de ser feliz, mas descobri que não era essa a minha felicidade. Procurei nos recantos mais escuros o amor, mas descobri que o amor é mais raro do que qualquer gás nobre ou metal de terra rara. E desiludido como o mundo e com os mundos de cada um, especialmente o meu, cheguei a este espaço, de costas voltadas para o passado, com o desejo exasperado de ser outro noutro caminho novo.
Eis-me então entre o querer o amanhã hoje e o ter hoje medo do amanhã. Entre o que quero e o que fui durante tantas longas marés. Entre quem não quis ser e em quem sonho um dia poder vir-me a tornar.
Estou então aqui, sentado, à espera. “E o que esperas?” – poderá alguém perguntar. Espero apenas o tomar de consciência de uma decisão que já é real e que balança apenas em condicionantes que nada têm a ver comigo… E isso preocupa-me; afinal aquela decisão mais importante não depende apenas de mim! Estranho sabor lhe dá, essa proverbial palhinha que quebrará, ou não, as costas do camelo. Essa dúvida no momento da certeza absoluta de que quero ir por ali, mas afinal não sei por onde vou… Sinto-me… não sei bem como, mas vem-me à ideia o gato de Schrödinger… Morto ou vivo? Impossível de determinar.
E enquanto, aqui sentado, espero, talvez vá fumando um cachimbo perfumado, qual Gandalf perdido nas minas de Moria. E, quem sabe, tal como aquele delicioso personagem de Tolkien, venha a despertar das minhas dúvidas e cogitações e perceber que a decisão só pode ser uma: por ali por Deus, por onde o cheiro não é tão fedorento.