Who is he? Five years ago he probably would have answered that question with a quick arrogant remark. Today, he’d probably look above, to a starry sky and wonder, just wonder about the whys and ifs of his life. By then he was a lost soul, meandering through life with an empty sense of self, lacking goals, lacking pride and meaning within his existence. The best thing he is able to say about those days is that he grew up to be one of the best pool players in town. He was neither a successful student, nor a successful man. He had no job, no woman to love and be loved by, no glittering string of pearly lights to mark his path. He was lost and alone, but he wasn’t aware enough to be afraid. The last few months of that year would change his grasp of reality forever. It came to him as a shock to learn that his father had cancer, having only a few months to live. What was asked of our young man then was something he didn’t know he could do, he still wouldn’t know it if it happened all over again; his father’s suffering, much more than his death, marked the end of his innocence. The world, his life, his friends, everything lost its sparkle, the shining sun was nothing but a dirty lamp post in a shadowy alley, and the stars mere dust particles upon a black board. His life became a violent current of thoughts, questions, doubts and regrets. And fear was his companion.
The simple things that he had always taken for granted became shadows of a future he dared not contemplate; instead, he turned to the past to feed his senses with glimmers of hopes and dreams; tainted as they were, they nourished his plagued mind into survival. As usually happens in these chronicles, he met a woman, different from all the spectral shapes that roamed his reality. Her green eyes shone through darkness, fuelling the pale sun and the colourless stars back to life. The sleeper had awoken from the nightmare of a lingering tragedy, into a world of possibilities, pride, goals and love, all hand-in-hand in a joyful merry-go-round of smiles. He embarked on a new adventure of the mind. He travelled far and wide, both inside and outside his soul. He saw the world, he met new people, new smiles, new dreamers, he felt new feelings and learned much that was simple but truly enjoyable. Yet, each time he returned to where it had all happened, a dark aura seemed to take him over, bringing him back to the days of sorrow he had experienced. Eventually, the sadness caught up with him; he grew more and more disturbed, losing his equilibrium and self-control. He had difficulty in seeing the beauty around him; the pureness of friendship and altruism became alien to him; and finally, wrapped in that downward spiral, he collapsed into the darkness that he had fought so hard to escape. He lost everything. His dreams crumbled like a house of cards, the fear of life returned to its former enormity, and love, his love, her love, were lost. Today he is but a wreck amidst the pale ocean of humanity. He can often be seen roving through life, looking up to a starry sky and wondering, just wondering about the whys and ifs of his life.
Tenho um amigo, um bom e velho amigo - daqueles que não se encontram por aí aos pontapés, nem pouco mais ou menos. A nossa amizade já vem de há longos anos e, embora sendo mais velho, ele sempre viu em mim o mesmo que eu vi nele, um amigo, um igual, sem superioridades ou inferioridades de qualquer tipo. Este meu amigo sempre procurou ajudar-me, e eu, quando mais novo, na minha mais limitada experiência, sempre procurei ouvi-lo e tentar perceber o que ele me queria dizer, não me coibindo também, de tempos a tempos, de meter a minha colherada mais ou menos apropriada. Nem sempre concordamos ao longo dos anos - mas não é da discordância que nasce a força das relações? Nem sempre mantivemos o contacto - mas sempre soubemos que a amizade que nos unia não dependia de meras distâncias ou temporalidades. Por vezes víamo-nos confrontados com a indispensabilidade de sermos brutalmente honestos um com o outro em situações onde não havia espaço para o luxo da delicadeza. Acredito, e ele também, penso, que todos precisamos de alguém nas nossas vidas que nos faça ver as coisas de forma amargamente fria (mesmo sem dizer nada) mas que depois esteja lá perfazendo o par de pegadas nas areias que percorremos. Esta segunda premissa é a mais difícil de cumprir: vozes à nossa volta levantam-se com uma frequência medonha, mas mãos estendidas em auxílio são raras e as areias frequentemente movediças.
Este meu amigo casou bastante novo e há já considerável período de tempo. A vida mostrou-lhe que a doçura e as agruras andam frequentemente de mãos dadas e no dia em que nasceu o seu único filho, perdeu o seu amor de sempre naquele imenso gesto de amor que é dar ao mundo uma vida. Já lá vão quase vinte anos. Nunca mais casou. Nós, os amigos, tentamos ser parte útil na formação do pequeno e no fortalecimento do espírito do jovem pai. Outros, mais velhos, terão tido um papel mais relevante, mas nunca deixei de me mostrar disponível para honrar a nossa amizade.
Como já aqui disse, nem sempre a nossa amizade se fez de absoluta concordância. Mas, entre altos e baixos, nunca houve um afastamento que não trouxesse nova aproximação. A amizade também vive muito disso; afinal, se viver todos os dias cansa, também o não respeito do espaço dos outros causa desconforto inevitável.
Certa ocasião, as disparidades dos nossos discursos e modos de agir chegaram a um ponto aparentemente limite. O meu amigo “cresceu” como um pai-galinha, se assim se pode usar a expressão. O seu pequeno, agora bem maior, era sempre, a seus olhos, isso mesmo: “o seu pequeno”. O rapaz, agora homem e com uma personalidade forte como a do pai, nem sempre conseguia estabelecer laços com outras pessoas dos seus mundos. Partilhava de sobremaneira o dia-a-dia do pai e era-lhe difícil estabelecer com outros algo que era fundamental para o seu progenitor, um círculo de amigos – daqueles brutos que nos dizem a verdade e depois nos estendem a mão. Esse tema representava a maior e mais frequente das nossas discussões. Dizia-lhe:
- Ó pá tens que deixar o miúdo fazer o caminho dele. Não podes andar sempre em cima, deixa-o aprender, fazer asneiras. Se ele não fizer umas estupidezes valentes de vez em quando não aprende!
- Nada disso – dizia-me ele – o meu filho não é desses que se estão sempre a meter em chatices, a eles e aos pais. Eu não o obrigo a fazer nada, o rapaz é atinado, só isso.
- Mas não achas que é atinado de mais para a idade que tem? – contrapunha eu.
- Ouve lá, mas tu queres que eu lhe diga para se meter em sarilhos para ver se aprende a viver? Ele é quase um homem, bom aluno, educado, respeitador. Com tudo o que lhe aconteceu, o que nos aconteceu, acho que até está muito bem!
Era difícil discutir depois de lançado esse argumento… Mesmo assim insistia:
- Claro que é um óptimo rapaz, um tipo às direitas. Mas não achas que ele devia ter mais amigos, sair com eles, dá umas voltas com umas miúdas…
- Ouve lá, mas tu és meu amigo ou não?! Agora queres que ele se vá meter em trabalhos só por tu achas que ele não é normal?
- Eu não disse que ele não era normal, apenas que….
- Esquece, não digas mais nada. Somos os dois muito felizes, não precisamos de supostos amigos que andem sempre a apontar o que está mal. Eu faço tudo pelo meu filho, e ele é feliz. Se não acreditas pergunta-lhe!
As discussões acabavam sempre de modo mais ou menos semelhante a este. Não era possível dizer mais nada. Ele tinha razão, claro. O rapaz era um aluno brilhante, não arranjava problemas a ninguém e parecia ser feliz. É certo que passava muito tempo sozinho, frequentemente metido em livros. Quando saía era com o pai, com quem se dava muito bem. Tinha aulas, claro, mas por morar longe da escola, e talvez por escolha própria, nunca estava com gente da idade dele. Tentei várias vezes dizer ao pai que o devia meter num desporto qualquer, incentivá-lo a estar com outros jovens. Tentei, na minha posição de amigo, fazer ver que a um pai não compete dirigir em absoluto a vida dos filhos. Um homem não pode ser ajudado a ser homem por um pai que lhe diz coisas como: “usa esta camisa que te fica melhor”, “tens que cortar o cabelo, mas só desbastar”, “anda para aqui”, “faz assim”, etc. Com estas atoardas, frequentes ainda para mais, apenas incentivava a dependência e a falta de confiança de um espírito ainda em formação. Imagino que para o rapaz as coisas deveriam parecer muito diferentes, afinal foi o pai que sempre esteve a seu lado. As constantes críticas e reparos deveriam ser nada mais do que conselhos de amor de um pai preocupado que merecia a sua total obediência.
Claro que é fácil falar das coisas depois de elas acontecerem. Mas o papel de um pai, de um amigo, na vida de um adulto, não pode ser o de alguém que conduz, impõem e limita. Deverá antes ser alguém cuja interferência passe pela criação de oportunidades para que o nosso amigo, ou filho, tome por si as suas decisões, sem a influência por vezes chantagista de alguém que tem a sua própria agenda e quer que a outra pessoa tome as decisões que melhor se enquadram nela. Devemos abrir portas aos nossos amigos, estender-lhes a mão quando os vemos em areias movediças, mas apenas eles podem escolher atravessar a porta ou agarrar a mão. Se os obrigamos arriscamos torná-los mais fracos, se não lhes dermos a mão ou se não criarmos uma oportunidade, arriscamos a que, subjugados pelo peso de um mundo que não compreendem, sucumbam ao peso do seu desespero.
Nunca deixei de ser amigo desse meu amigo. Ele nunca deixou de reciprocar o sentimento. Concordamos em aceitar as diferenças que nos separavam. Nunca deixamos de estar presentes nos momentos mais sensíveis que cada um viveu. E sei que mais do que nunca ele precisa de mim, e eu estarei lá para o ajudar como posso, mesmo sendo mais novo e mais inexperiente.
Faz amanhã seis meses que o seu filho se suicidou na casa onde sempre moraram. Escolheu a véspera do seu vigésimo primeiro aniversário para terminar com a vida. Nunca mostrou sinais óbvios que pudessem justificar a sua opção. Como já aqui descrevi, era um homem inteligente, educado, respeitador, um pouco calado, demasiado isolado, mas parecia, no geral, feliz.
O meu amigo não mudou muito. Continua activo, empenhado no seu dia-a-dia. Quem não conhece os pormenores nunca diria possível o que há tão curto espaço de tempo se abateu sobre ele. Nós, os amigos, não temos coragem de o confrontar com a realidade, com o que poderia ter sido feito para evitar uma morte inocente. Será a delicadeza de não o obrigar a confrontar-se com a verdade, ou será a culpa que todos nós sentimos, a certeza que nos assombra de que poderíamos ter feito mais, criado mais oportunidades, cedido mais vezes a nossa mão… Ele vive agora num mundo estranho, desse mundo apenas nos mostra um estreito mirar. Visto de fora trata-se de alguém que aceitou as amarguras da vida e que segue o seu caminho sem precisar de consolos ou ajudas. Efectivamente emula bem o seu filho neste aspecto, tudo parece bem visto do exterior, só alguém muito próximo saberá e saberia o que na alma se esconde(ia).
Tenho um amigo, um velho amigo. Apesar de todas as nossas diferenças, sei que estou mais próximo dele do que a maioria. Mas nem por isso irei ter com ele para lhe dizer “tens que fazer isto”, “vê as coisas desta maneira”, “faz o que te digo”. Por vezes vou ter com ele e ficamos muito tempo sentados, de cerveja na mão, sem dizer nada. Sei que ele está em areias movediças e a minha mão estará sempre estendida caso ele opte por agarrá-la. E continuadamente criarei oportunidades para que ele possa ter a opção de segui-las, porque no meu modo de ver as coisas, nada pode ser pior do que querer mudar e não ter opções, do que querer partilhar e não ter com quem o fazer; e nunca lhe direi nada - porque o passado ninguém o pode mudar - mas garantirei que sempre que ele deixar pegadas num qualquer areal poderá olhar para trás e ver que não fez o caminho sozinho. Porque ele tem um amigo.
Foram doces os sonhos que tivemos e queridos aqueles que os proporcionaram, amamos os dias que foram o nosso presente por guardarmos deles nada mais do que as alegrias... lembramos as cores garridas da borboleta, mas esquecemos que elajá foi feia lagarta, lembramos a flor pela beleza da sua cor e pela frescura do seu aroma, mas esquecemos a sua morte... Somos hoje a soma de tudo o que vivemos, e embora sejam as alegrias o que mais nos fascina, são as tristezas que mais nos fazem pensar, agir, são elas que contribuem para a nossa maior nobreza de espírito e clareza de pensamento... Os sonhos que antes parecemos gerar do nada, evoluem em direcção ao infinito, e com tempo, com gosto, tornam-se missões divinas, cheias de felicidade eterna... Serão sempre os nossos pequenos projectos pessoais, até se tornarem no monstro que não conseguimos controlar e depois, então sim, há que culpar alguém... e foi assim que surgiram os psiquiatras e os psicólogos...Custa ter sonhos... custa também ter filhos, cuidar deles, fazer deles homens e mulheres válidos, talvez pequenos “nóses“; custa ter animais de estimação, empregos, hobbies,... mas custa mais ter sonhos porque lutamos contra tudo, mesmo nós próprios, só para ir ao encontro de uma estrela brilhante no firmamento, que às vezes, sob o céu nublado perguntamos se de facto ainda lá está, a brilhar... Custam os sonhos, pois tudo o resto encolhe-se a um canto da rotina diária, inertes por largo tempo, domados, dóceis... os sonhos fogem mais e a cada momento e pedem esforço, dedicação e a capacidade de lutar contra o nosso próprio ócio e fraqueza de espírito... E é talvez por isso que quando vemos um sonho realizado, por mais pequeno que seja, embala-nos uma tal sensação de realização e de felicidade que só algo no mundo a pode ultrapassar: o espreitar ciumento de um outro sonho, por realizar, temeroso do nosso esquecimento, ardendo pela nossa atenção... Somos esta rocambolesca mistura de tudo e nada, de estrelas e de pó, qual deles de facto a base do nosso existir...Nada mais somos do que um pequeno nada, ocupados a discutir assuntos que tanto nos ultrapassam, temas que dramatizam a nossa pequenez de tal forma que mais valia estarmos calados... ou será que não? Talvez nos esteja reservado o papel de pequeno David, na sua tarefa gloriosamente inglória de derrubar os que não dominamos, não compreendemos...
Cartilha de Sonhos
Por caminhos e dias perdidos no tempo e no espaço, Vagueiam sonhos, vagueiam pensamentos e actos, Posses, que nunca passaram de desejos a factos, De almas perseguidas pelo doce frio do aço...
E o que fazer a todas eles, questionam-se alguns, Deveremos procurar realizar apenas os sonhos comuns? Ou será que tudo vale a pena quando a alma não é pequena? Como escreveu o poeta, com sua alma, sua pena...
Porquê sonhar sem ter o poder divino de realizar? Porquê querer sem ter o poder humano de fazer? Porquê questionar sem nunca poder responder?... E porquê gostar sem ter o triste poder de amar? Por sonhos, pensamentos, e desejos assinalados, Será que ao querer mais, estamos todos errados?
The first time I saw her she crept up behind me silent and cautious. She knew who I was, or at least she was aware of whom people thought I was. It can't have been all that interesting, that first time, a bump in an empty corridor, some casual words exchanged, maybe a small and courteous smile and a kind remark. No great chunk of the world changed after that first time but, at least, it had been taken care of. People often don't realise how tough first times can be, how fear or mere unintentionality can impair the normal and healthy course of wonderful things. She still knew who I was after our bump in the corridor. I had proven to be something of what she expected, uninteresting, may be a bit hollow somehow, unreal in a bad way, smaller than life. All in all it was probably a waste of time. The second time our paths crossed, the whateverness turned sour. I was in her way. She had this project and somehow, which I am sure must have been wholly annoying, someone decided my approval was required. I can imagine how she must have taken the news; the person whom she knew, or at least knew what everyone thought they knew, that undeserving numb excuse for a human being was an obstacle. Worse still, in time, she realised, he would prove too heavy a stone to lift and her path would remain closed up to her. I don't really remember much of all this; I remember the first time not the second. There must have been a third time and a fourth but I have no recollection. I never cared all that much about what others thought of me, especially those who inhabit the dwellings we shared. I even enjoyed knowing people had all these weird notions about who I really was, feuds that were born and died without my knowledge, opinions that ran tangents with the wilder side of even the most far-fetched reality. But few people really knew me, there were few tangible evidences; in a way, dressed by smoke and fed by mirrors, I had become the stuff myths are made of. Well maybe not those complex myths books are written about, but a nice comfortable try for size puzzle that people love to hate and gossip about endlessly. I didn't know who she was. That first time I saw her she crept into a safe place in my mind, she found a home there, a room deep down inside me. She was there to say. I was oblivious to that. The second, third and fourth time came and went and still I was blind to the fact that an impression had been made. I still ignore what went on in her mind after each crossing of our paths. One day I knew I knew her. Just like that. She was no longer a stranger; it almost seemed I had always known her, from the beginning of time. I felt like she had been a part of me from times immemorial, times that preceded my actual birth, the birth of the human race, a time before there was a planet Earth, a time before reality, a moment where the nothingness of everything was traversed only by the simple fact that we already existed as a part of each other. I still know who she is even if I'm not entirely sure how or why. I also know who she can be, remnants of that timeless reality we must have shared... I know we did but the same way people construct me at their whim without proof or a base in reality, I cannot prove this claim. Because of those five minutes we shared in an empty corridor I remembered I had to know her because I already did and it all had to come to full circle. It took me a while to recognise it though. The wholeness we once shared in a time that has no bearing in real time or space lingers on and cannot be broken, but life is in the way. That first time I saw her, she thought she knew who I was. Could she ever remember who we were?
(volto ao português logo que possível, por agora soube-me bem voltar de todo...)
Encontro-me com os teus perdidos olhos de avelã na noite suicida do mais triste amanhã, sonhando atarefado com um qualquer preceito nobre de querer mais que o simples fado, sentinela do respeito. Doce noite, doce dia, doce manhã de inverno; doce triste agonia do lamento, quiçá, eterno; Doce mel, doce poesia, doce amor, doce paixão e o tédio, a alegria, vivem connosco a prisão. Sobe, sobe já, junta-te a mim tu manhã, animada pelo sonho do mais triste amanhã. Canta, cantemos juntos, sonhos e malmequeres, perdidos nesta viagem, sem margem para alguéms, no sonho, uma miragem de um planeta qualquer, perdido na outra margem do corpo de uma mulher. Enquanto um Deus de encanto homem, virgem de todo o amor, junta a fantasia divina de um nobre ser ao toque doce e roufenho de um sino, um quebrado sino, de uma véspera qualquer; E logo logo chegará aquela a quem todos procuram, a híbrida pantomina do riso e da afasia, a noite permanente no reino da fantasia, num dia, hoje eterno, no ideal de um petiz, um isco macabro e terno, em lágrimas lavado mas feliz... É esta a trôpega aliança de um qualquer ser mais humano, com a santa diligência de um divino sacramento, unidos na vitória de um massacre lamacento em que deus e homem se uniram num lamento, na espera curta e bisonha daquele ultimo momento em que chega a rua finda, a estrada morta, as três pancadas, e o périplo já não importa, não importa mesmo a sorte, pois as cartas nada mostram, apenas uma mostra a morte!
...depois de curta ausência eis que regresso, por d’entre densa neblina, qual D. Sebastião menos Real mas mais real, vindo de um périplo não tão Quixotesco mas sem dúvida mais complicado! Tudo começou numa bela tarde de final de férias. E digo bela tarde pelos padrões tradicionais que, nesta ocidental praia Lusitana, nos habituamos a endeusar: sol, calor, bikinis amarelos às bolinhas... bem sol e calor, bikinis já não há muitos (é que eu não gosto de calor, faz-me mal, o sol vá que não vá; quanto aos bikinis, não uso... e a questão do com ou sem é bem mais complicada do que se possa imaginar, refiro-me a um ponto de vista Einsteiniano e nunca Freudiano, claro!) Mas dizia, uma bela tarde, ok, uma tarde, no finzinho de férias, lembrei-me de ir ao médico, oftalmologista... consulta de rotina. O douto senhor, depois do tradicional exame e do ainda mais tradicional interrogatório, por detrás dos seus pressagiantes óculos de grossas lentes (Emcasa de ferreiro...), fez-me um malfadado aviso: "se não quer vir a ter de usar óculos muito em breve, deixe o computador de lado durante um mês ou dois e veja tão pouca televisão quanto possível." Foi um ai Jesus! Eu e o meu PC, o meu PC e eu vivemos uma relação simbiótica, de interdependência... ok de dependência... mas simbiótica na mesma, em que eu não passo sem ele e ele não passa sem mim, pelo menos sem mim ninguém o liga..... E logo numa altura tão importante em que muito se decidia em tantas diferentes frentes! No meio desta verdadeira onda de emoções crescentes vejo-me gualdripado das minhas fontes de informação… E claro estava calor… E claro o sono continuava a ser uma miragem, como aquela primeira luz de um novo dia que penetra envergonhada por entre as frinchas dos estores, sim, refiro-me àquela que nunca sabemos se é ainda luz de um qualquer lampião atrevido, claridade da lua ou efeito do payote da noite anterior (para quem está familiarizado…) – claro que esta dúvida apenas se apresenta a quem lamenta todos os suspiros que dá em noites perdidas em busca de um desditoso sonho que só chega com o sono, e este ri ao longe, sempre ao longe, brindando a nossa má ventura com murmúrios pardacentos: “not tonight and nevermore.” Estava portanto tramado! Estar em casa sem PC ou televisão e com tempo de leitura limitado não tem grande piada… Tratei de arranjar, tanto quanto possível dada a minha tremenda falta de jeito para coisas que se passem fora de casa, actividades para fazer outdoors. Primeira oportunidade: um joguinho de basket em Matosinhos. Lindo, ar puro (sim puro, considerando o que era quando as fábricas de farinhas de peixe lá estavam…), mar, miúdas (algumas de bikinis amarelos) e calor (não se pode ter tudo). Tabelas de basket ao nosso dispor e um garrafão de 5 litros de sumo de laranja bem fresco…
Na primeira jogada, na primeira entrada para o cesto, driblando pelo lado direito, o salto, o momento, o hang time, o passar por baixo do cesto e ao lado dos braços impotentes do defesa, o lançar à tabela do lado contrário, o suplesse, a qualidade, o ar boquiaberto de quem assistia àquele momento Jordanico, a bola que salta, salta, e não entra, e o aterrar num desnível, o pé que dobra de uma forma que nem Darwin nem Deus alguma vez previram ser possível (imaginem isto tudo em slow motion, a preto e branco, cinamascope… - e agora de volta à velocidade que chamamos normal), a dor, o ‘huh’ estampado na cara de quem assistia e finalmente o resto dos meus não sei quantos e muitos quilos a abaterem-se sobre aquela forma semi-humana, meio sapatilha, meio meia, meio outra coisa qualquer não completamente diferente daquilo a que chamamos tornozelo, mas quase. O horror! O horror!
Conclusão, dei cabo dos ligamentos laterais (interior e exterior) do tornozelo direito que inchou que nem o pai de um filho que fez qualquer coisa que deixou o pai inchado e ficou assustadoramente roxo. Tratamento: RICE – Descanso Gelo Compressão Elevação. Lá me vi obrigado a ficar deitado, de pé no ar, todo ligado (o que com o calor ajuda sempre…). Ou seja, de novo em casa, ainda sem PC, sem TV, muita pouca leitura e sem me poder mexer em demasia… Agora a pergunta: será que vale mesmo a pena sair de casa?
Frequentes são os momentos em que nos sentimos perdidos. À nossa frente um amplo espaço de onde se evade uma pluralidade de caminhos. São pontos na nossa linearidade temporal em que nos sentamos a pensar: “por onde seguir?” Tudo à nossa volta é pista, ou parece-nos como tal. O que nos dizem, ou o que omitem, o que pensamos de nós, dos outros, o que queremos, tudo parece puxar-nos para um determinado caminho, sempre sem decisão final consumada, sempre com mais dúvidas geradas. Por vezes pensamos: “Que raio, vou mas é escolher ao calhas e logo se verá!”. Mas quando nos aproximamos da prossecução da “decisão” tomada, assaltam-nos os nossos piores pesadelos, o nosso medo do desconhecido, do que está atrás daquela primeira curva. E se bem que são, como sempre achei, as curvas que nos fascinam, são também elas que nos escondem do futuro e o futuro de nós.
Estou sentado num confortável sofá bem no centro do tal amplo espaço de onde caminhos mil se espraiam, visíveis até à primeira sinuosidade. Sinto-me ansioso, preocupado, mas também entediado com a situação. Aproximo-me do passo, que será o primeiro, e o mais importante, de uma viagem de mil milhas, talvez. O tédio conduz-me à decisão, a decadente, bolorenta, série de viagens que ficou para trás, contribui alegremente para a partida em busca da novidade. A pressão de não querer estar ali, naquela sala, naquele sofá, naquela posição. A pressão de não querer olhar para trás, para o que fui, e contemplar os quadros do que vivi transfigurados em memórias ululantes e tirar daí conclusões sólidas e bem pensadas. Sei que quis entrar neste espaço, quis sentar-me aqui, descansar um pouco, e seguir em frente. Se o fiz, se o quis fazer, devo-o à sequência de imponderáveis desacertos que o meu mapa de caminhos mostrou ser. Calcorreei-os sempre em busca do sonho, mas aprendi que não era o meu sonho. Cavalguei pelos trilhos que se me espraiavam pela frente, qual pícaro cavaleiro andante, com o fito inusitado de ser feliz, mas descobri que não era essa a minha felicidade. Procurei nos recantos mais escuros o amor, mas descobri que o amor é mais raro do que qualquer gás nobre ou metal de terra rara. E desiludido como o mundo e com os mundos de cada um, especialmente o meu, cheguei a este espaço, de costas voltadas para o passado, com o desejo exasperado de ser outro noutro caminho novo. Eis-me então entre o querer o amanhã hoje e o ter hoje medo do amanhã. Entre o que quero e o que fui durante tantas longas marés. Entre quem não quis ser e em quem sonho um dia poder vir-me a tornar.
Estou então aqui, sentado, à espera. “E o que esperas?” – poderá alguém perguntar. Espero apenas o tomar de consciência de uma decisão que já é real e que balança apenas em condicionantes que nada têm a ver comigo… E isso preocupa-me; afinal aquela decisão mais importante não depende apenas de mim! Estranho sabor lhe dá, essa proverbial palhinha que quebrará, ou não, as costas do camelo. Essa dúvida no momento da certeza absoluta de que quero ir por ali, mas afinal não sei por onde vou… Sinto-me… não sei bem como, mas vem-me à ideia o gato de Schrödinger… Morto ou vivo? Impossível de determinar. E enquanto, aqui sentado, espero, talvez vá fumando um cachimbo perfumado, qual Gandalf perdido nas minas de Moria. E, quem sabe, tal como aquele delicioso personagem de Tolkien, venha a despertar das minhas dúvidas e cogitações e perceber que a decisão só pode ser uma: por ali por Deus, por onde o cheiro não é tão fedorento.
Detesto a noite! É tão aborrecido ter que dormir, acho que não passa de uma perda de tempo... Aqui, deitado, contemplando o negro tecto do meu mundo, meu quarto, fitando as estreitas ondas de luz que escapam aos estores, à cortina, aqui só se sofre! Invadem os exércitos dos meus maus pensamentos, dos meus medos, dos terrores... e o sono... não vem! Os pesadelos que, ao dormir, cobardemente me ameaçam, penetram agora na minha memória contínua de errante. O que de errado fiz no passado, assim se repete a meus olhos, espelhos de uma alma em reacção, que jaz, inerte, em cima de um colchão, a dormir? Não! Seria pedir demais...
A mentira social que sou: jovem? Sim, mas não muito! E quanto mais minutos, horas, dias, passam por mim, ali deitado, acordado, lívido, mais penso naquele glorioso último segundo, fronteira última de realidade infeliz, parte lustrosa de um mundo-fantoche, da paz, do meu céu, do sono... Mas ai de mim, que esse último obstáculo se afasta, não vem, provoca-me, a mim, que não matei, não roubei, não fiz nada de mal, apenas cruzei, isolado, este mundo animal, tímido... Tão, tão tímido até, que sem pensar, sem fé, afastei de mim os amigos, as amadas, as admiradoras… e agora, como quem ri, à socapa, com a infelicidade de outrem, goza-me aquele último segundo com desdém, e mais se afasta de mim... Detesto ter que dormir, mas adoro sonhar... Detesto a ansiedade da espera pelo sono que tarda, a inactividade de uma noite perdida.... a dormir; mas no sonho, aí, vingo-me da sociedade que me maltrata, sem saber, e talvez por eu querer, vingo-me de mim, do meu eu real, que não passa de um Velho do Restelo espelhado na minha existência, que no sonho se acaba, e renasce, Feniana na sua glória imortal, poderoso, herdeiro do savoir faire da história... Histórias, de que afinal não passam os sonhos... Para quê dormir, para perder valioso tempo na nossa ínfima existência, ou para, através dos sonhos, nos lembrar-mos do que podíamos ser e não somos... É quase manhã, e eu sem dormir... As magras ondas de luz que lutavam por uma nesga nas estreitas frinchas dos estores, invadem agora, mais à vontade, o penetrável reduto que é o meu quarto, o meu mundo... É tão aborrecido perder tempo a dormir, sobretudo quando o sono não vem, até porque, entenda-se, eu adoro dormir...
"Alguns nascem póstumos (...) Eu estaria em completa contradição comigo mesmo se já esperasse hoje encontrar ouvidos e «mãos» prontos para as «minhas» verdades; que hoje não se ouça nada de mim, que hoje não se saiba tirar nada de mim, isto não é apenas compreensível, mas parece-me até mesmo norma."